MARIA LÚCIA DE ARRUDA ARANHA
CRIANDO NECESSIDADES
Para
ajudar nas mudanças dos hábitos da população, as indústrias, empresas de
produção de bens, tais como alimento ou vestuário, contam sempre com as
empresas de prestação de serviços, mais especificamente com os meios de
comunicação de massa (jornais, redes de televisão e emissoras de rádio). Essas
empresas têm o poder de criar necessidades de uso de novos produtos, sobretudo
por meio das propagandas. A associação entre esse modelo de produção em série,
adotado peIas indústrias, e as empresas de prestação de serviços caracterizam
uma nova sociedade: a sociedade de consumo. Esse termo designa a atual
sociedade moderna, urbana e industrial, dedicada à produção e aquisição
crescentes de bens de consumo cada vez mais diversificados.
Para a
sobrevivência dessa sociedade é essencial que sejam criadas necessidades de uso
de novos produtos, pois, logo que um produto aparece no mercado, ele deve ser
consumido intensamente e em seguida substituído por outro. Contudo. como não
conhecemos tal produto nem estamos habituados a usá-lo. E muitas vezes nem
sequer necessitamos dele, é preciso que se faça criar em cada um de nós a
necessidade de consumi-lo (...)
Para
adquirir um bem, precisamos achar realmente importante possuí-lo. Nesse
processo, a formação da opinião pública realizada pelos meios de comunicação,
comandados por um número pequeno de pessoas que decidem o que vamos escolher,
possuir e usar - colabora de forma vital para a criação de necessidades de uso
de novos produtos. Assim, não é a tecnologia que atende às necessidades, como
os meios de comunicação de massa geralmente nos fazem crer. e sim as
necessidades é que são criadas para atender à crescente produção e à elaboração
cada vez mais diversificada dos bens de consumo. Esse processo de formação de
opinião ocorre quando a opinião - que cada um possui como coisa exclusiva e
genuína -, é induzida, ou influenciada, pelos jornais, tevês e outras formas de
comunicação de massa.
Então, em
que a produção de bens de consumo difere da produção artesanal? As diferenças
não ficam só nas mudanças dentro da fábrica, nas mudanças do artesão para o
operário, nas mudanças do poder de decisão do artesão para o proprietário da
indústria. Há também uma mudança no usuário final do produto, ou seja, no consumidor.
Ao
adquirir um bem produzido em série, o consumidor nada sabe sobre quem o criou e
não tem com ele vínculo cultural ou afetivo, como ocorreria, por exemplo, com
um objeto de arte.
FELICIDADE VERSUS
SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES
O ser
humano sempre buscou a felicidade: as empresas, o lucro. Será que elas vendem
felicidade? É isto que os meios de comunicação de massa parecem nos dizer:
“quem tem mais, é mais feliz”
Paralelamente,
dados de uma curiosa pesquisa revelam que as classes detentoras de maiores
posses, em qualquer sociedade moderna, estão mais satisfeitas com as suas vidas
do que as classes menos ricas.
A mesma
pesquisa. Entretanto, também mostra que nos países ricos, essas classes
detentoras de maiores posses não estão mais satisfeitas do que as classes mais
ricas de muitos países pobres; nem tampouco estão mais satisfeitas do que as
classes mais ricas estiveram em um passado menos rico.
Em outras
palavras, a satisfação trazida pelo dinheiro parece vir não do fato de
simplesmente possuí-lo, mas sim de possuir mais do que os outros. Numa
sociedade de consumo, ter dinheiro significa poder consumir e é sinônimo de
busca de felicidade e status.
A compra
de um produto tido como importante pelo grupo social ao qual o consumidor
pertence produz uma imediata sensação de prazer e realização e geralmente
confere status e reconhecimento a seu proprietário. Também, conforme a novidade
vai-se desgastando, o vazio ameaça retornar. Quando isso ocorre, a solução
padrão do consumidor é se concentrar numa próxima compra promissora, na
esperança de que a satisfação seja mais duradoura e mais significativa.
A sensação
de vazio que se apossa do consumidor é um dos dois aspectos do individualismo e
isolamento que o caracteriza: contrapondo-se ao vazio interior, está a
aparência de segurança e de realização.
Esse mundo
fantástico de satisfação das necessidades de aceitação social, de realização
pessoal e mesmo de conforto físico, mediante o consumo constante, é elaborado
pelos meios de comunicação de massa e pela indústria de propaganda. Assim, um
indicador claro do sucesso do consumismo é a propaganda.
Essa
verdadeira indústria foi uma das que tiveram o mais rápido crescimento durante
a última metade do século XX: os gastos mundiais totais com propaganda
aumentaram de US$ 39 bilhões em 1950 para US$ 237 bilhões em 1988, crescendo
até mesmo mais rapidamente que a produção econômica mundial no mesmo período.
Nesse período,
os gastos mundiais per capita com propaganda triplicaram: de US$ 15 para US$
46. Nos Estados Unidos, onde os gastos com propaganda são imensos, houve um
aumento de US$ 200 para US$ 500.
Com tal
quantidade de propaganda disponível para ser vista, lida e ouvida, os
adolescentes norte-americanos assistem 22 horas de televisão por semana, sendo
expostos em média de 3 a 4 horas semanais de propaganda na tevê, acumulando 100
mil anúncios entre seu nascimento e sua graduação no estágio equivalente à
oitava série do primeiro grau. Essa informação preocupa os educadores, pois, ao
contrário das atividades lúdicas infanto-juvenis, a passividade exigida pela
tevê não prepara a criança para o aprendizado.
Como numa
sociedade de consumo sempre haverá por mais que consumamos um novo produto, ou
uma nova tecnologia a ser lançada. melhor do que a que acabamos de consumir,
somos obrigados a conseguir mais dinheiro para satisfazer nossas novas
“necessidades". É essa a engrenagem principal que faz a economia girar e
que torna ilusória a busca da felicidade por meio do consumo.
Isso tudo
nos faz questionar: de quem é verdadeiramente a necessidade que estamos
atendendo como consumidores?
SOCIEDADE DE CONSUMO:
SIM OU NÃO?
À primeira
vista a sociedade de consumo parece ser a sobreposição de duas realidades. Uma
mostra os produtos ligados à boa qualidade de vida, tais como as vacinas, os
antibióticos, o tratamento da água e do esgoto, os marcapassos cardíacos e o
aquecimento de ambientes nos países com inverno rigoroso. A outra mostra a
poluição do ar e das águas, principalmente nas regiões mais industrializadas, a
mão-de-obra muito barata nos países do terceiro mundo. como o Brasil, onde a
maior parte da população trabalha desde a infância até a morte, sem higiene.
Saúde, abrigo e alimentação adequados à dignidade do ser humano.
Essas duas
realidades dividem as opiniões acerca da sociedade de consumo. Uns a defendem,
outros se voltam contra ela. Para que possamos nos definir diante dessas duas
realidades, precisamos fazer algumas considerações e precisamos refletir sobre
os efeitos dessa sociedade.
Estaríamos
exaurindo os recursos energéticos e os recursos naturais, como a água, e
poluindo o ar apenas para produzir os bens supérfluos dessa sociedade de
consumo. Estaríamos, então, exaurindo riquezas nos excessos de consumo,
ignorando a elaboração, transporte e distribuição dos bens e serviços de
primeira necessidade aos carentes. Responder a essas dúvidas é posicionar-se
diante da sociedade de consumo.
Parece que
um número cada vez maior de pessoas acha que sim: que estamos sacrificando uma
maioria para satisfazer os excessos de um grupo menor de indivíduos. Hoje em
dia há em todo o mundo muitas organizações civis que se dedicam à elaboração e
execução de programas para conscientizar as populações das necessidades
emergenciais de se diminuir o consumo e a poluição; de se lutar pela igualdade
entre os povos e contra as diferenças sociais num país: e também de se lutar
pela preservação do meio ambiente. Essas organizações, em última análise, estão
envolvidas na luta pela sobrevivência, dignidade e liberdade de todos os seres
humanos, tanto daqueles que foram excluídos do consumo, quanto dos
consumidores. .
No
entanto, parece impossível desmantelar um sistema tão poderoso quanto esse,
formado pela aliança entre a comunicação de massa e as indústrias. O que dá
força à sociedade de consumo, porém, é o fato de seus valores estarem presentes
em cada um de nós, representados pela abundância e pela novidade(...)
(Texto extraído para fins didáticos de ARANHA,
Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. Editora Moderna: São Paulo, 1993)